Plano e Métodos

Com base na informação obtida através da revisão bibliográfica sobre a emergência das Escolas Profissionais de Música (EPrM) e a criação do Gabinete de Ensino Tecnológico, Artístico e Profissional (GETAP), a equipa de investigação decidiu contactar a figura chave de todo este processo, o Professor Joaquim Azevedo, mentor e justamente considerado o ‘pai’ de todo o Sistema Profissional de Ensino e Aprendizagem (PTLS). Essa tarefa foi-lhe atribuída em 1987 e a sua entrevista pareceu-nos o passo mais adequado para poder conceber o projeto em termos das suas questões-chave de investigação.

O encontro teve lugar em Dezembro de 2019, no seu gabinete na Universidade Católica Portuguesa no Porto, e a entrevista foi conduzida pelos investigadores principais. Tendo em conta o universo do PTLS, a entrevista centrou-se, fundamentalmente, em quatro aspetos: os antecedentes da criação do EPrM, as principais características organizacionais e pedagógicas do EPrM, a influência e consequências do EPrM no outro sistema educativo musical, e a importância do EPrM para o desenvolvimento das artes performativas e do ambiente social local.

Subsequentemente, os seguintes pontos-chave foram extraídos da entrevista:

• A necessidade urgente de expandir a educação artística e tecnológica em Portugal, aproveitando a criação do GETAP em 1988 (Decreto-Lei nº397 de 8 de Novembro de 1988), e o enquadramento previsto pela lei.

• A criação através do financiamento do governo português e da UE das Escolas Profissionais e Artísticas de Música nas artes do espetáculo.

• A oportunidade de conceber um currículo integrado no ensino das artes performativas, e especificamente na música, diferente de toda a experiência anterior no Sistema Educativo Português com os seus Conservatórios centenários de música.

• A emergência de um ethos institucional, com todo o currículo a ser ensinado no mesmo espaço físico, em pequenas escolas, assumindo os instrumentos e a orquestra como centro de toda a formação, conduzindo a um ambiente artístico profissional profícuo.

• O ensino e a aprendizagem profissional da música como um projeto de vida.

• A implementação da EPrM como um projeto social – quebrando o círculo vicioso onde apenas a elite tinha acesso aos Conservatórios de música públicos ou à rede de escolas de música privadas e cooperativas.

• A descentralização da EPrM a partir das principais cidades, incluindo os lugares mais improváveis no interior.

Em suma, a ideia de transpor o antigo atelier de artesanato para o ensino e aprendizagem de um instrumento musical num ambiente artístico completamente controlado. Neste contexto, foram identificadas as seguintes questões de investigação que estão agrupadas sob duas grandes linhas de investigação:

  1. MAPEAMENTO DA HISTÓRIA – Que tipo de trajetória de desenvolvimento é possível observar nos trinta anos de existência desta rede de Escolas/Cursos Profissionais de Música (o número de escolas que abriram e fecharam, que tipo de escolas fornecem os diferentes cursos, onde estão geograficamente implantadas, história institucional, organização curricular, frequência de alunos, perfil académico e profissional do professor, número de alunos que continuaram os seus estudos no ensino superior)? Que tipo de trajetória de desenvolvimento é possível observar quando olhamos para um Conservatório Público de Música durante este mesmo período (história institucional, organização curricular, perfil académico e profissional do professor, frequência dos alunos, número de alunos que continuaram os seus estudos no ensino superior)?
  2. MAPEAMENTO DOS RESULTADOS – A. Quais são as evidências que nos dizem que as EPrM foram capazes de provocar uma mudança significativa no panorama musical português (emergência de músicos individuais, músicos de orquestra, conjuntos de música de câmara, escolas, professores, audiências locais e mudanças sociais e culturais)? B. O que distingue a formação de músicos instrumentalistas realizados nos Conservatórios públicos de música e a formação em EPrM (as características pedagógicas da organização, o currículo e a metodologia pedagógica ou o envolvimento social)? C. Como é a relação entre a EPrM, como escolas secundárias, e a música no Ensino Superior, e entre estes e o mundo profissional da música (política, diretores escolares, professores, e antigos alunos)? D. Até que ponto o modelo social da EPrM atingiu as classes sociais que até então estavam sistematicamente ausentes do acesso à educação artística/musical? E. Qual é a opinião dos diferentes intervenientes (políticos, diretores de escolas, professores, e antigos alunos) sobre a EPrM após trinta anos de existência? F. Quais são as alterações relevantes, em termos de princípios e pressupostos educativos e sociais, entre o início da Escola Profissional de Música, iniciada com o Decreto-Lei nº26 de 1989, e as atuais escolas profissionais, regulamentadas pelo Decreto-Lei nº92 de 2014, que ministram cursos profissionais de música, ao abrigo da Portaria nº 235/A de 2018?

Com a abordagem sistemática e comparativa destas questões espera-se poder responder ao assunto principal, que resulta da declaração contida no título deste projeto: As Escolas Profissionais de Música, criadas em 1989, foram o principal ponto de viragem no panorama musical português: “sem elas, isto não seria o mesmo”.

A fim de responder à complexidade das questões de investigação acima mencionadas, a presente proposta de investigação será desenvolvida dentro de uma abordagem de métodos mistos (Cresswell & Plano Clark, 2007) e é metodologicamente estabelecida como um estudo de múltiplos casos envolvendo as três escolas listadas na revisão bibliográfica e os principais Conservatórios públicos de música da região (Stake, 2010).

Reconhecemos que, pela sua própria natureza, os dados deste projeto podem apresentar muita teoria, no sentido de uma abordagem teórica fundamentada. Isto pode ser particularmente importante para a exploração inicial de dados quantitativos ou qualitativos, tendo em conta que a teoria fundamentada é entendida nesta investigação como uma estratégia de investigação que enfatiza a natureza processual e interativa da investigação, por oposição a um mero processo indutivo de codificação de dados (Atkinson & Delamont, 2008). Por outras palavras, é reconhecido como um meio de captar “a necessidade de interações sistemáticas entre dados e ideias, bem como as propriedades emergentes da conceção e análise de dados da investigação, que estão em constante diálogo” (Atkinson & Delamont, 2008). A utilização de múltiplos métodos, ou triangulação, acompanha a escuta de múltiplas vozes, diferentes perspetivas, e diferentes visões da mesma realidade. A interpretação e o significado estarão no centro desta investigação, assumindo que os nossos entrevistados podem ter formas radicalmente diferentes de interpretar a criação e subsequente desenvolvimento da TPM, tendo em conta a sua relação com a sua implementação tanto no tempo como no lugar. Neste sentido, a subjetividade não será puramente suprimida, mas sim assumida e negociada (Denzin & Lincoln, 2008).

Serão utilizados os seguintes métodos de recolha de dados: a) Análise extensiva dos documentos produzidos sobre a criação e desenvolvimento das EPrM, incluindo a identificação de todos os intervenientes, e fontes de financiamento de qualquer tipo; b) Análise extensiva dos documentos produzidos para os CMPu desde 1983 até ao presente; c) Elaboração de um questionário extensivo para os agentes envolvidos na EPrM e na CMPu; d) conceção de entrevistas semiestruturadas com os mentores e iniciadores da primeira EPrM, antigos e atuais professores, alunos; e) conceção de entrevistas semiestruturadas com antigos e atuais diretores, professores e alunos do CMPu; f) conceção de entrevistas semiestruturadas com professores da componente sociocultural da EPrM; e g) conceção de entrevistas semiestruturadas com personalidades relevantes do meio político e educacional.

A implementação de todos estes métodos de recolha de dados deve observar os constrangimentos do calendário académico.

A primeira parte desta investigação, relacionada com a questão de investigação 1 (Mapeamento da história), irá mapear extensivamente a implementação da primeira EPrM e do CMPu, em termos dos métodos a) b) e c) acima listados. De acordo com os resultados desta primeira fase, procederá à identificação dos principais atores na criação e desenvolvimento dessas escolas e conceberá as entrevistas semiestruturadas, métodos d) e) e f).

Relativamente aos antigos e atuais estudantes da EPrM e CMPu, este projeto antecipa a construção de trinta retratos sociológicos, uma metodologia desenvolvida pelo sociólogo francês Bernard Lahire (2002, 2003, 2010). Os retratos sociológicos permitem-nos aproximar-nos das histórias de vida dos participantes ou, pelo menos, dos momentos chave das suas trajetórias, ao mesmo tempo que consideramos a sua socialização dentro de um dado projeto musical e a interiorização de disposições e competências potencialmente úteis a outras dimensões das suas vidas. Globalmente, os retratos sociológicos sugerem – e muitas vezes mostram claramente – consequências reais nas trajetórias e subjetividades objetivas dos participantes, como resultado da participação em projetos musicais.

No processo de construção das entrevistas semiestruturadas, serão tidas em conta as seguintes questões:

1. Pressupostos em vista do Modelo Organizacional (EPrM e CMPu)

2. Pressupostos em vista do Modelo Pedagógico (EPrM e CMPu)

3. Pressupostos em vista do Modelo Sociocultural (EPrM e CMPu)

Os membros da equipa de Investigação serão designados para os métodos acima listados, de acordo com as suas áreas de especialização específicas. Isto será realizado nos seus diferentes momentos, após um extenso processo de revisão de literatura. Antes de cada etapa, a equipa de investigação, juntamente com os consultores, levará a cabo uma reflexão crítica sobre as ações desenvolvidas. Será elaborado um código de ética rigoroso para apoiar todos os procedimentos que envolvam os participantes deste projeto.

© Jorge Alexandre Costa & Graça Mota, 2022