Resumo

Em 1989, com a publicação do Decreto-Lei nº 26, de 21 de janeiro de 1989, foi criado o ensino profissional como uma experiência original e sem precedência quer a nível de Portugal quer da Europa. Este acontecimento foi ainda mais importante pelo facto de a Revolução de Abril ter acontecido há relativamente pouco tempo (1974) e a memória de uma sociedade com acesso diferenciado à educação levada a cabo pelo Estado Novo estar ainda muito presente na memória de todos. Nesse sentido, a exigência da democratização da educação encontrou eco na publicação da lei acima mencionada, nomeadamente com a criação das escolas de Ensino Profissional no âmbito do ensino não superior, público e privado. Esta legislação revelou-se particularmente importante para o ensino especializado da música o qual, durante a ditadura e de acordo com o discurso vigente, era de cariz eminentemente elitista e de acesso muito restrito.

Após a publicação do Decreto-Lei nº 310, de 1 de julho de 1983, o qual promoveu mudanças organizacionais e curriculares relevantes para a democratização da educação artística, a legislação subsequente, nomeadamente o Decreto-Lei nº 344, de 2 de novembro de1990, estabeleceu as bases da organização da educação artística, propondo dois sistemas educacionais complementares, o reabilitado ensino nos Conservatórios de Música Públicos e o (novo) Ensino Profissional de Música (EPrM).

Passados trinta anos de Ensino Profissional de Música em Portugal, as realizações e resultados apresentados por este sistema de ensino rapidamente revelam que algo de novo e diferente aconteceu mudando o panorama elitista e deficiente da educação musical em Portugal. Este projeto tem como objetivo o estudo sistemático e comparativo das escolas de Ensino Profissional de Música (EPrM), com particular incidência nas escolas: Escola Profissional e Artística do Vale do Ave (ARTAVE), em Santo Tirso; Escola Profissional de Música de Espinho (EPME), em Espinho; Escola Profissional de Música do Alto Minho (ARTEAM), em Viana do Castelo – com os Conservatórios de Música Públicos(CMPu): Conservatório de Música do Porto e de Braga, desde 1989 até 2022.

Este estudo toma como principais referências teóricas os domínios da sociologia das organizações (Knudsen & Tsoukas, 2005), com incursões teóricas complementares no campo da sociologia da educação e cultura. O conhecimento que pretendemos obter a partir desta realidade organizacional está ancorado na subjetividade e intencionalidade dos atores envolvidos, nomeadamente o ambiente social em que acontece e o poder político que o formalizou. Esse conhecimento será mediado por uma racionalidade metafórica explicativa, através de um modelo cultural relacionado com os artefactos, os valores e pressupostos básicos (Schein, 2010). Tendo em conta as questões levantadas pelo projeto, privilegiar-se-á uma análise teórica baseada numa perspetiva sociológica interpretativo-simbólica (Bush, 2020) com o objetivo de um enfoque na organização, na educação e na cultura. Para além disso, a contribuição da Psicologia da Música, a um nível macro, poderá permitir aprofundar quais as motivações que guiaram os diferentes atores envolvidos na criação e desenvolvimento destas escolas.

O ponto de vista metodológico, foi identificado um conjunto de questões de investigação as quais se agrupam dentro de duas linhas principais de investigação: 1) o mapeamento da história das EPrM, com especial incidência nas três mencionadas, e dos CMPu, designadamente do Conservatório de Música do Porto e Conservatório de Música de Braga durante este mesmo período, e 2) o mapeamento dos resultados com o objetivo de encontrar evidências que sugiram que estas escolas foram capazes de produzir mudanças significativas no panorama musical, educacional e social português quando comparadas com as evidências obtidas pelo ensino tradicional dos conservatórios de música (emergência de músicos solistas, orquestra, música de câmara, escolas, práticas pedagógicas, professores, audiências locais e mudanças culturais e sociais).

A abordagem destas questões será feita de acordo com uma metodologia multi-métodos (Cresswell & Clark, 2007) concretizada através de um estudo multicasos (Sloboda, 2018). Será construído um conjunto de métodos complementares incluindo uma análise extensiva de documentos, construção de questionários e de entrevistas semiestruturadas e não estruturadas. Em relação aos antigos e atuais estudantes, tanto da EPrM como do CMPu, o projeto prevê a concretização de trinta retratos sociológicos, uma metodologia desenvolvida pelo sociólogo francês Bernard Lahire (2002, 2003 e 2010). Os retratos sociológicos permitem uma aproximação às histórias de vida dos participantes ou, no mínimo, aos momentos-chave nas suas trajetórias, tendo em conta a sua socialização no âmbito de um dado projeto musical, bem como a internalização de disposições e competências potencialmente úteis em outras dimensões das suas vidas.

O projeto conta com uma equipa de investigação com perfis diversificados nas seguintes áreas: Ciências da Educação, Didática e Pedagogia da Música, Teoria, Análise e Formação Musical e Ensino do Instrumento. Assim, espera-se desvendar uma realidade tão complexa quanto profundamente significativa e que parece ter sido fundamental para o desenvolvimento em Portugal da educação em música com uma incidência particular na música instrumental.

© Jorge Alexandre Costa & Graça Mota, 2022